terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Uma vitória da fé

O herói de toda uma cidade. Pablo Infante é o principal nome do histórico Mirandés na Copa (getty images)

Depois de eliminar Villarreal, Racing Santander, imaginavam que o Mirandés estava satisfeito. Engana-se. Eles nunca estão. A vitória por 2 x 1 contra o Espanyol foi uma vitória da fé. Foi uma vitória de Pablo Infante, ídolo da torcida, jogador que entra para história do simpático clube a cada dia e, vale lembrar, artilheiro de uma competição onde Messi e Cristiano Ronaldo disputam. Foi uma vitória de Carlos Pouso, treinador da equipe, que trabalha muito bem na gerência psicológica do elenco. "Essa vitória é para contar para os netos", disse após o jogo. É, acima de tudo, uma vitória da torcida. Eles acreditaram. Eles lotaram o Anduva em todas as partidas. Desde o primeiro jogo até o duelo contra o Espanyol.

Sabe a matemática? Eles desmentiram. Dobraram os números, as chances, os riscos, os medos. Acreditaram sozinhos, quando o resto do mundo duvidava. Foram humilhados, desacreditados, subestimados. Foram carta fora do baralho, eliminados de véspera, acossados pela zombaria alheia. Foram indiferença, força e fé. Aguentaram calados, mandaram esperar pra ver. Alguns milhares atravessaram quase 2,5 mil quilômetros no jogo de ida. Pagaram promessa antes mesmo da graça alcançada. Deixaram as dúvidas pelo caminho. Na bagagem, duas cores e uma certeza. Foram, viram e venceram.


Os que ficaram foram em pensamento. Todos os corações estavam lá, aflitos, nervosos, mas confiantes. Entre o sonho e o céu, 90 minutos. Entre o céu e o campo, um aguaceiro que quase varreu a esperança. "E os sonhos, sonhos são. E os sonhos, sonhos seguem sendo", cantaram os aficionados em meio à emoção após o jogo. Não importava quem estava do outro lado. Não importava se era um time da primeira divisão, um time que, há duas semanas, parou o poderoso Barcelona. A chuva igualou por baixo. O futebol saiu de cena. A água trouxe o receio. A reboque vieram o drama, a luta, a epopeia.

Na verdade, o temporal era o detalhe que faltava ao enredo. Não podia ser fácil. Não podia ser a seco, trajes limpos, goleada. Tinha que ser na lama, no peito, na raça. A camisa, que já pesava uma tonelada nos ombros, ficou encharcada. Tempo, temor, tempestade. Mas dilúvio mesmo foi quando Infante levantou a bola e Caneda lavou a alma de uma província inteira. Detalhe: aos 47 minutos do segundo tempo. Burgos está em festa. A pacata cidade situada a Noroeste de Castilla e Leão está no centro da Espanha até a bola rolar para Barcelona e Real Madrid amanhã. Ramiro Aldunate, que fazia o tempo real da partida no Marca, descreveu bem o gol da classificação. "Caneda subiu e cabeceou com toda a fé do mundo para levar o estádio à loucura". Sim: milagres existem.

Caneda mostrou com quantos pingos se faz um time. A partir dali, ninguém mais sabia o que era chuva e o que era choro. A partir dali, ninguém mais precisava fazer conta. O Mirandés venceu o Espanyol, a chuva, a matemática. Só não venceu a descrença porque ela nunca existiu. Dez temporadas após o Figueira ser eliminado pelo Deportivo na semifinal, uma equipe da Segunda Divisão B chega à penúltima fase da segunda principal competição da Espanha. Pablo Infante já é o verdadeiro Rei desta Copa. Um gol e uma assistência no jogo de hoje. Oito tentos na competição, o que vale a artilharia. Tudo isso vindo de seu mágico pé direito, abençoado pelos deuses e protegidos pelos aficionados. Uma vitória merecida e celebrada por toda a Espanha.

O Mirandés está no Olimpo do futebol. Os heróis de hoje serão considerados verdadeiras lendas amanhã.

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