sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Segredos de campeão

Dirigentes do Barcelona frente à nova sede de La Masia: um novo marco no barcelonismo (getty images)

Quinta-feira, 20 de outubro de 2011, um dia histórico para o barcelonismo. Às 20:15 local, a nova La Masia, centro de treinamento da famosa canteras do Barcelona, foi inaugurada, rebatizada de La Masia do século XXI. Após 31 anos, a estrutura das divisões de base do clube mudou de lugar e agora está em um prédio de 6 mil metros quadrados, de dois andares com capacidade para 83 pessoas e salas para estudo dos jovens. A sede da nova La Masia já havia sido inaugurada antes, na sexta-feira, 14. Segundo informou o site oficial do clube, a garotada fará reforço escolar diariamente de 12h às 18h e também há espaço para o lazer: uma sala de jogos conta com videogame e internet sem fio liberada.

Na equipe que entrou em campo na conquista da última Champions contra o Manchester United, sete jogadores foram formados dentro do clube (Víctor Valdés, Piqué, Busquets, Xavi, Iniesta, Messi e Pedro), além de Puyol, Bojan e Thiago Alcântara, que ficaram no banco de reservas. No atual elenco, o meio-campista Cesc Fàbregas, que havia saído muito jovem para o Arsenal, voltou à sua casa, em uma transferência que envolveu, no total, 40 milhões de euros, e ainda há o zagueiro Andreu Fontàs, que no início da temporada assinou um contrato exclusivo para ser jogador da equipe A e nesta semana renovou seu contrato até 2015. Mais que tudo, o futebol desempenhado pela equipe que é taxada por muitos de melhor do mundo é baseado numa filosofia de jogo simples e encantadora: o futebol total. Pode soar estranho, mas o início da formação de uma das melhores gerações da história do Barcelona começou há 23 anos.

Futebol total
O estilo de jogo baseado no toque de bola, técnica refinada e objetividade foi implantando em 1988 por duas lendas do Camp Nou: os ex-jogadores Johan Cruyff e Carles Rexach, então técnico e auxiliar técnico do time à época. Rexach, aliás, foi o principal responsável pela ida de um dos maiores ídolos da torcida atualmente: em 2001, Rexach conheceu Messi e encantou-se com o futebol daquele menino mirrado. O garoto, ainda com 13 anos de idade, seria levado ao Barcelona, onde teria o seu tratamento pago e treinaria com os outros atletas das categorias de base. A família de Messi, por sua vez, ganharia novos empregos na Catalunha.

Rexach e Cruyff criaram um estilo de jogo único. Raramente o jogador dá mais de dois toques na bola. Os apoiadores se movimentam constantemente, a ponto de jogar em todas as posições do meio-campo. No ataque, não há posição definida. Tudo em enorme sincronia, fruto da intensidade com a qual a equipe encarar seus jogos. O maior exemplo é Messi, que saiu da ponta direita, onde ficava muito "preso", para jogar mais centralizado, fazendo as vezes de enganche e falso nove. Jogando dessa maneira, os Dream Teams de Cruyff e Guardiola dominaram/dominam a Espanha e, por que não, a Europa. Na primeira metade da década de 90, entre 1990 e 1994, os azulgrenás treinados pelo holandês conquistaram quatro Ligas Espanholas, duas Supercopas da Espanha, uma Copa do Rei, uma Liga dos Campeões, uma Recopa da Uefa e duas Supercopa da Uefa.


Vídeo que explica um pouco a filosofia de jogo blaugrana

Hoje, talvez, o único diferencial da equipe treinada por Guardiola em relação a de Cruyff seja o módulo tático. O primeiro Dream Team jogava num 3-4-3 em linhas, influenciado por Rinus Michels, ex-treinador e amigo do holandês, e sem um centroavante de ofício (até a chegada de Romário, em 1993). Para Cruyff, os atacantes deveriam jogar pelos flancos, a fim de que os meio-campistas tivessem mais prioridade para chegar nas jogadas ofensivas. Outra técnica bastante utilizada para evitar marcações adversárias era o revezamento de posições, que deixavam a zaga adversária confusa, sem saber quem marcar. Na equipe de Guardiola, o módulo tático utilizado é o mesmo do antecessor do catalão, Frank Rijkaard: o 4-3-3, com o lateral direito tendo mais liberdade para participar das jogadas de ataque, que a partir de 2009 se transformou em um 4-3-1-2 pelo posicionamento de Messi. A posse de bola é o principal trunfo do segundo Dream Team.

No entanto, o jogo bonito não seria o bastante para garantir o sucesso da filosofia azulgrená. De nada adiantaria ter garotos de grande técnica, mas despreparados emocionalmente para encarar a pressão de 90 mil torcedores no Camp Nou. Eis, então, a segunda etapa do processo de formação de craques: criar, de fato, vencedores. Desde a menor categoria é passado o sentimento de competição. Não que seja uma obrigação, mas que é importante, sempre, ganhar. Ter uma mentalidade vencedora é obrigatória. Trabalhando principalmente na parte psicológica, os jogadores atuam de forma diligente, como se lutasse apenas pelos resultados posivitos. A contratação de jogadores como Ronaldo, Figo, Rivaldo, Ronaldinho, Eto'o, Deco, Ibrahimovic e David Villa ao longo dos anos enfatiza o aspecto de jogadores determinados quanto o de jogadores de nível mundial, capazes de decidir partidas.

O trabalho na base
Além de seu estilo de jogo voltado ao ataque, uma das principais características associadas ao Barcelona é o trabalho prolífico feito nas categorias de base. Famoso por ter lançado jogadores da estirpe de Amor, Guardiola, Messi e Xavi, a formação de atletas, porém, nem sempre foi colocada em primeiro plano pelos blaugranas. Contratações de jogadores de renome e poucos atletas criados em casa no time principal eram políticas comuns até as décadas de 1970 e 1980. A partir da adoção de La Masia como casa dos jovens culés, em 1979, a situação ganhou novos rumos e a lapidação de novos jogadores tornou-se prioridade.

Guardiola é um dos principais defensores da utilização de jogadores da base. Até por isso, mais da metade do atual elenco titular da equipe é formado por jogadores das canteras, como supracitado acima. Sempre que pode, o técnico acompanha partidas e treinos das categorias inferiores. Em sua agenda, há conversas frequentes com os técnicos da garotada. Em 2009, antes de um superclássico contra o Real Madrid, Pep expressou seu sentimento em relação às jovens promessas e comparou-as com as do Real Madrid. Até meados de 2008, os treinos aconteciam em campos anexos à La Masia, no entorno do Camp Nou. Hoje, no entanto, as atividades são realizadas em um moderno centro de treinamento, localizado a cerca de 20 minutos do estádio.

A mudança foi um pedido exclusivo de Pep, que quando assumiu o cargo técnico do clube, em junho de 2008, exigiu o término das obras da Cidade Esportiva de Joan Gamper, inaugurada em 2006, mas, até então, pouco utilizada pelo clube. Pep argumentava que os treinos no Camp Nou atrapalhariam a concentração de seu elenco, dado a presença diária de visitantes no local. De quebra, aproveitou para unir time principal e garotos, seguindo à risca a filosofia barcelonista.

A diretoria acatou o pedido do treinador e acelerou as obras da cidade esportiva. Em menos de seis meses, estava concluído um dos maiores centros de treinamento de toda Europa. São nove campos (sendo cinco de grama natural), um ginásio poliesportivo, 13 vestiários (oito apenas da base), enfermaria, sala de palestras e academia. Há, também, uma sala exclusiva para Guardiola, com vista para o campo do time principal e acesso de carro até a porta. Seu discurso sempre é o de quem sabe que não ficará no time para sempre, mas que deseja deixar uma base sólida para que as próximas gestões do clube sejam tão organizadas como as de atualmente.

O Barcelona B é um dos maiores exemplos de sucesso das canteras. Na temporada passada, terminou a Liga Adelante na histórica terceira posição. Nenhuma outra filial havia alcançando uma posição tão alta como a equipe treinada por Luis Enrique à época. Dessa forma, ampliando cada vez mais seu processo de profissionalização, o Barcelona permanece muito à frente das sociedades rivais e da melhor maneira possível: conquistado títulos e mais títulos.

2 comentários:

  1. Texto sensacional, Victor!
    Aplausos! parabéns!

    ResponderExcluir
  2. ótimo texto, parabéns! Estava justamente procurando um que retratasse como começou a mudança de filosofia do Barça

    ResponderExcluir