sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Casa de maternidade

No histórico Real Madrid 2-6 Barcelona, Guardiola usou pela primeira vez como Messi de falso nove. E deu muito certo (getty images)

2 de maio de 2009. Josep Guardiola chegava pela primeira vez ao Bernabéu como técnico. Em jogo, uma Liga: a diferença entre Barcelona e Real Madrid, faltando quatro rodadas para o término, era de um ponto. Quem vencesse levaria o título para casa, praticamente. Uma competição que adquiriu maior valor após o empate de 0 a 0 entre os blaugranas e o Chelsea, quatro dias antes, no Camp Nou, pela semifinal da Champions League (o Real Madrid havia sido eliminado nas oitavas-de-finais para o Liverpool). Messi, contra os blues, foi anulado por Bosingwa e não apareceu no jogo. Assim, Guardiola teve três dias para preparar sua equipe para o grande duelo. E, com uma carta na manga, preparou uma surpresa para o até então treinador do Real Madrid Juande Ramos.

Admirador confesso de Johan Cruyff, com quem havia sido campeão europeu como jogador, Guardiola novamente se inspirou no holandês, que sempre buscava alguma mudança tática em suas visitas à capital. Entretanto, a diferença era clara. Cruyff, por um lado, fazia mudanças defensivas, com o objetivo de neutralizar o ataque blanco, enquanto que Guardiola introduziu uma variação ofensiva a fim de favorecer e dar mais otimismo ao jogo de sua estrela máxima, Lionel Messi, que, segunda havia especulado a imprensa à época, havia saído de campo contra o Chelsea bastante triste pelo mau jogo.

Guardiola, então, mudou a definição de seus jogadores de ataque do 4-3-3. Puxou Eto'o para fazer a ponta direita, tarefa que não deve ter sido fácil, e situou Messi numa linha à frente de Xavi e Iniesta e atrás de Eto'o e Henry, mais ou menos como um enganche, que ora criava jogadas para os dois atacantes e ora ficava entre os zagueiros merengues para receber passes da dupla de meio-campista. Após o jogo, Messi foi sintático na definição de sua posição naquela tarde: "joguei como um nove mentiroso", disse La Pulga, rindo. Messi teve liberdades de movimentos para buscar entradas em uma zona ou outra. O nó tático de Guardiola em Juande Ramos foi tão grande que, vez ou outra, Marcelo e Heinze, que invertiam posições e, inicialmente, marcariam diretamente Messi, chegaram a seguir o argentino no meio deixando espaços suficientes para Eto'o marcar. Um sinal claro de desespero.

Em Roma 2009, na decisão de Champions League, Messi marcou um gol digno de centroavante, decidindo o título azulgrená (zimbio)

O resultado foi um inesquecível 6 a 2, que deu uma injeção de ânimo monstruosa para os azulgrenás irem a Londres buscar a vaga na final. Na capital inglesa, Iniesta achou o gol da classificação aos 49 minutos do segundo tempo, numa partida marcada pela controversa arbitragem de Tom Ovrebo. Na final, Guardiola voltou a repetir a fórmula do sucesso em Madrid. Eto’o e Messi foram invertidos novamente e, dessa vez, foram deles os gols da vitória em Roma. Se na última decisão da Champions League Ferguson tomava café da manhã pensando em como parar o argentino pelo meio, naquela época ele esperava um embate com Evra, que chegou, assim como Heinze e Marcelo, a persegui-lo fora de seu setor em claro sinal de que o United não sabia o que fazer defensivamente. La Pulga sentenciou o tri-campeonato europeu aos blaugranas após cruzamento de Xavi e uma cabeçada digno de um centroavante.

Um mês depois da conquista da tríplice coroa, o Barcelona estaria de centroavante novo: em uma negociação com a Inter de Milão, pagou 45 milhões de euros aos nerazzuris mais Eto'o por Ibrahimovic, em excelente fase. Na ocasião, Guardiola escalou durante o primeiro semestre inteiro Ibrahimovic de centroavante e Messi aberto à direita, como em outrora. Não importa onde você coloca Messi, pois ele sempre vai brilhar. O problema foi quando Ibrahimovic, que após sair do Barcelona declarou não gostar de jogar como referência, esqueceu seu futebol, a partir do segundo turno. Muito parado, estragando as jogadas ofensivas rápidas barcelonistas e desperdiçando gols importante, o sueco perdeu a confiança que Guardiola havia depositado nele, a ponto de deixar Eto'o, um centroavante de origem, ir embora como se fosse nada.

Pep se deu conta que o melhor a fazer era deixar Messi como falso nove. E tornou-se definitivo. O camisa 10 fez uma sequência de três partidas geniais na posição e Guardiola não teve mais dúvidas que ali era seu lugar. Contra Valencia, Stuttgart e Zaragoza foram seis gols do argentino. Um mês depois, quatro contra o Arsenal. Messi, então, passou a pulverizar qualquer tipo de recordes. Marcou 32 gols na Liga Espanhola dessa temporada, sendo o artilheiro da competição; 53 gols na temporada passada; tornou-se o segundo maior artilheiro da história do Barcelona; e vem, há três temporadas consecutivas, firmando a artilharia da Champions League (8 gols em 2008/2009 e 2009/2010 e 12 gols em 2010/2011).

O segundo nó tático

Pellegrini, com um sorriso amarelo. Ele também sofreu nas mãos de Guardiola (AP Photos)

Após Juande Ramos 2009, Guardiola fez mais um treinador merengue de vítima. Em 2009/2010, Real Madrid e Barcelona voltaram a fazer mais um jogo decisivo pela Liga. Aos merengues, só restavam a conquista do título nacional, já que havia sido eliminado da Champions (Lyon) e da Copa do Rei (Alcorcón) novamente. O fracasso de uma temporada bastante promissora, com as contratações de Kaká, Cristiano Ronaldo e Benzema, havia sido retumbante. No lado barcelonista, sem Ibrahimovic e com Henry em péssima fase, Guardiola armou novas variações táticas: um 3-5-2 que deixou todos surpresos. Mandou a campo três zagueiros (Milito, Piqué e Puyol) e dois alas bastante ofensivos (Maxwell e Daniel Alves, um pouco mais temerário pelas aparições de Cristiano Ronaldo em seu setor), apostando em Messi e Pedro na frente. Xavi, Keita e Busquets completaram a linha de cinco, que só teve Iniesta na segunda etapa.

O Barcelona venceu por 2 a 0 e sacramentou o bi-campeonato espanhol, com gols de Messi e Pedro, que, vale lembrar, foi mais um acerto do treinador. Pelegrinni, durante o jogo, não soube o que fazer para sair da armadilha de Guardiola e, de fato, passou vergonha perante o catalão. 20 meses depois, as dúvidas voltam a rondar o ambiente blaugrana antes de um superclássico. Não se sabe se Pep entrará em campo no contestado 3-4-3 ou no usual 4-3-3. Fato é que jogar na primeira tática é um risco elevado contra o Real Madrid, que sabe jogar muito bem pelos flancos.

Aliás, isso seria cair num dos erros de Cruyff, que fazia suas trocas na parte defensiva, como citado, mas, vez ou outra, dava errado. Um erro notável do treinador do Dream Team tem a ver diretamente com Guardiola. Em um superclássico de 95, o comandante inexplicavelmente recuou Pep para a linha de três defensiva para fazer a marcação no então veterano Butragueño. Na defesa, Guardiola nunca se destacou e tomou um baile de El Buitre, na manita blanca no Bernabéu (5 a 0).

Apesar de destacarem apenas as dúvidas quanto ao módulo tático, as mudanças de Guardiola para a partida de sábado deve estar novamente na parte ofensiva. Villa, Alexis Sánchez, Pedro e Fàbregas disputam duas vagas no ataque. O chileno e o catalão têm se saído bem nos últimos duelos e podem começar no onze inicial. Guardiola pode mudar o esquema tático por mais uma vez e, quem sabe, aparecer num 4-4-2, com Fàbregas, Busquets, Xavi e Iniesta no meio-campo e Messi e Sánchez à frente, apesar de parecer bem improvável.

Lembram da Operação Blindagem de Mourinho?
A torcida merengue não ficou muito satisfeita com a provável escalação. Em uma enquete promovida pelo Marca, 62.08% dos votantes foram contra Mourinho, querendo que o português saia mais para o jogo e ataque o Barcelona. Lembrando que, na temporada passada, quando Mourinho "atacou" o Barcelona o resultado foi um 5 a 0 histórico para os catalães.


Vídeo-resumo da atuação excelente de Messi contra o Real Madrid em 2009, nos 6 a 2. Reparem como os zagueiros merengues ficam perplexos com a mudança de posicionamento do argentino com Eto'o, dando muito espaços aos dois

5 comentários:

  1. Texto fantástico.

    Impossível não relembrar tudo que foi dito.

    Jogo complicado, mas pra mim dá Barcelona.
    O Barcelona vive 1 momento de variação tática que está deixando a equipe mais vulnerável, porém muito mais forte.
    Não é boa coisa pro Real Madrid, mesmo em melhor momento com Mourinho enfrentar este Barcelona.

    Dá Barça.

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  2. sensacional esse texto, Victor

    Real Madrid ganha fácil amanhã: 5-0

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  3. Parabéns pelo post e por falar do Barcelona num 4-4-2 que foi utilizado no jogo.

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  4. Pois é, Rafael. E obrigado! Dei minha opinião sobre o uso do 4-4-2, que achava improvável, como deixei claro.

    Abraço!

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